05 Mai 2020
Belém registrou mais um retrato do colapso do sistema funerário que a capital atravessa em meio à pandemia: durante velório realizado na noite de sexta-feira (1º), uma família abriu o caixão da avó, que teria morrido de Covid-19, e percebeu que o corpo era de outra pessoa.
Apesar da emissão da certidão de óbito, Maria da Conceição Oliveira, de 68 anos, está viva e foi encontrada, após insistência da família, em um leito do Hospital Abelardo Santos, na capital, e trata dos sintomas do novo coronavírus.
Segundo a família, a idosa apresentou melhoras na noite de segunda e tomografias mostraram avanço na recuperação dos pulmões – “ela até já deu uma caminhada, com ajuda, dentro do quarto mesmo”, disse o neto Bruno Oliveira.
O erro, segundo admite a Secretaria de Saúde do Pará (Sespa), é consequência da falta de estrutura diante do aumento de doentes e de mortos.
O número de mortes por Covid-19 no Pará aumentou 222% em uma semana, e saltou de 95, no dia 25 de abril, para mais de 300 no sábado (2).
O crescimento é muito superior à média nacional de 68% registrada no mesmo período, conforme dados do Ministério da Saúde.
O Pará registrou em abril um aumento de 116% de remoção de mortos por doenças ou causas naturais, segundo a Secretaria de Estado de Saúde (Sespa).
Em Belém, onde já há colapso no sistema de saúde e funerário, segundo a gestão municipal, a prefeitura já começou a realizar enterros em cemitério particular – medida que deixou moradores preocupados com a possível contaminação de poços artesianos na área do Tapanã.
A demora na remoção de corpos é um drama vivido por famílias que perdem parentes por outras doenças, além da Covid-19, na região metropolitana de Belém.
Algumas relatam que o corpo do ente querido chegou a ficar até 20 horas em casa, à espera de ser removido. Um caminhão frigorífico foi posicionado pela Sespa no Instituto Médico Legal (IML) para dar suporte no armazenamento de corpos com a Covid-19.
A medida, segundo a Sespa, é uma estratégia para minimizar os impactos e o crescimento da demanda para os profissionais. Segundo a Sespa, a pandemia mudou a rotina do serviço de verificação de óbitos, que teve também reforço de duas viaturas novas para a remoção de corpos na região metropolitana de Belém.
Maria da Conceição Oliveira, de 68 anos, testou positivo para a Covid e precisou ser internada no Hospital Abelardo Santos, em Belém, no último dia 30 de abril.
Depois que deu entrada na unidade, a família não teve mais notícias e no dia seguinte (1º) recebeu a certidão de óbito da idosa.
Uma funerária contratada levou o corpo para a casa da família e, já no velório, os parentes de Conceição descobriram que se tratava do corpo de outra mulher.
“A funerária avisou para que não abrisse o caixão, por causa da pandemia. Então os filhos dela perguntaram como ela estava e disseram: ‘bata vermelha, cabelos brancos’. Só que dona Conceição não tem os cabelos brancos e nós não mandamos nenhuma bata vermelha. Foi que o neto dela teve coragem pra abrir o caixão e foi um susto terrível, era uma senhora morena, com tubo na boca”, relata Tallya Fernandes, parente de Conceição.
As cenas da família indignada logo após que percebeu o erro foram registradas via celular. Nas imagens, os parentes exigem explicações do funcionário da funerária. “Eles têm que sentir a dor da gente. Isso é um absurdo”.
A família resolveu voltar para o Hospital Abelardo Santos, de atendimento exclusivo a casos de Covid-19, atrás de notícias.
“Depois que o paciente entra lá, a gente fica sem notícias. Eles não deixam entrar e nem saber de nada. Fizemos um escândalo na frente e entrou o neto dela. Ele teve que ver mais de 30 cadáveres, um por um, correu risco, e não encontrou a avó. Todo mundo dizendo que ela estava morta”, diz Tallya.
Segundo os parentes de Conceição, uma enfermeira se solidarizou e resolveu ajudar. A enfermeira foi até o leito onde Conceição estava internada e fez uma chamada de vídeo. “Ela estava lá, dizendo que estava viva! Foi uma alegria e uma certa indignação pelo que aconteceu”, afirma Tallya.
“A gente não sabe o que aconteceu com a senhora que estava dentro do caixão. Domingo (3) a gente chegou lá e disseram que Conceição estava com quadro grave, mas a gente não sabe a situação que ela estava. Atenderam a gente bem, até o diretor que assinou o óbito apareceu, foi uma situação muito constrangedora”, diz.
“A gente acha que se a gente enterra outra pessoa, dona Conceição podia morrer lá dentro e ser internada como indigente”, afirma ainda.
A família informou que registrou um boletim de ocorrência contra o hospital pelo erro.
Sobrecarga
Em nota, a Secretaria de Saúde do Pará (Sespa) informou que confirma o erro. Segundo a Sespa, há uma sobrecarga do sistema funerário durante a pandemia.
O serviço de Verificação de Óbito (SVO) atendeu na última sexta-feira (1º) 35 casos, destes cerca de 50% foram por síndrome respiratória aguda grave (SRAG), o que é cerca de 20 vezes mais do que o normal.
Segundo o governo, “com a abertura do Hospital para pronto-socorro, os procedimentos e rotinas foram totalmente alterados. Os problemas estão sendo identificados, dentro do possível, corrigidos. Estamos lutando para dar dignidade às famílias neste momento de dor”, diz a nota.
A Sespa informa ainda que a partir desta segunda-feira (4) serão providenciadas assistentes sociais para os atendimentos e a partir de quarta-feira (6), o Hospital Abelardo Santos divulgará dois boletins diários, oferecendo também o serviço de visitas por meio de telechamadas.